Como superar o trauma?
1. O que é o Trauma?
Eu arriscaria dizer que todos, senão quase todos nós, carregamos algum trauma.
Alguns decorrentes de eventos evidentes e catastróficos, como uma situação de abuso ou um acidente de trânsito, e outros decorrentes de eventos menos nítidos: algo que marcou, às vezes que sequer ocorreu de forma pontual, e que se repetia de forma tão casual e rotineira que, à época, não parecia um problema. Mas é fato: os traumas impactam a vida de uma pessoa, interferem na forma como uma pessoa se vê, vê o mundo, e lida com novas experiências.
Na clínica, os clientes muitas vezes buscam a superação desses traumas — buscam um caminho ou a receita para chegar lá. Relatam dificuldade em manter relacionamentos saudáveis, descrevem sintomas de ansiedade e depressão, além do sentimento de impotência.
Os sintomas do trauma são variados, e surgem de maneiras e intensidades diferentes para cada pessoa:
Pensamentos e memórias intrusivas;
Hipervigilância, ansiedade elevada;
Suscetibilidade a sentimentos intensos (como a raiva e tristeza exacerbados);
Dificuldade de experenciar emoções positivas;
Senso alterado da realidade ou tempo (muitas vezes traz falas vívidas no passado, voltando a ser aquela pessoa vulnerável do momento do ocorrido);
Dificuldade e até incapacidade de lembrar de fatos importantes relacionados ao trauma;
Excesso de sono ou insônia;
Busca por evitar lembranças, pensamentos, pessoas e lugares relacionados ao trauma;
Sofrimento psicológico marcante.
E com tanto sofrimento, surge a pergunta: Como superar o trauma? Ou ao menos como lidar com ele?
Vamos lá, começando por entender alguns pontos essenciais:
2. O que acontece com nosso corpo e mente durante e após o trauma?
Quando nosso cérebro identifica uma situação de perigo, ele desencadeia uma série de reações químicas para que possamos lidar com a ameaça: o coração pode bater de forma mais acelerada, a pele suar, o corpo tremer. São respostas naturais e evolutivas que buscam garantir nossa sobrevivência como espécie.
Essas respostas podem passar a ser um problema quando essas reações trazem sofrimento exacerbado ou quando excedem sua permanência, transbordando para momentos que não condizem.
Por exemplo, quando uma pessoa paralisa e não consegue mais entrar em um carro por ter sofrido um acidente no passado. Ou quando, por ter tido relações familiares ou amorosas desagradáveis, trata outras pessoas de maneira defensiva ou agressiva, sem conseguir estabelecer relações de confiança. Quando uma pessoa engaja em comportamentos autodestrutivos para aliviar memórias ou vivências desagradáveis.
Veja: são formas do seu corpo e mente se protegerem de novas situações de risco. Mas essas reações, que buscam proteger, também privam de uma vida mais tranquila e plena.
O trauma também pode atrapalhar:
Sua capacidade de encontrar e se manter em um trabalho;
Iniciar ou manter relações (familiares, amistosas, amorosas...);
Sua confiança em si e no outro;
Sua disponibilidade para lidar com problemas;
Sua habilidade em colocar limites nos outros e em respeitar os seus;
Sua tolerância à mudanças;
Entre outros! Além de ser terreno propenso para ansiedade, depressão e agressividade.
3. Como é o caminho para a superação do trauma?
Assim como as consequências de um trauma se manifestam de formas diferentes em diferentes pessoas, o processo de cura também é diferente para cada um. É um caminho de altos e baixos: às vezes você vai se sentir bem, como se estivesse finalmente conseguindo seguir em frente. Outras vezes, pode parecer que está regredindo.
Mas eu te prometo: está tudo bem. Faz parte. Não existe caminho certo. Nem um tempo pré-determinado. Até mesmo o termo "superar" é muito questionado no campo da psicologia, pois estamos falando de uma vivência que faz parte da sua história, que colaborou em formar quem você é hoje. "Superar" não significa, necessáriamente, que você nunca mais será afetada por aquelas lembranças, aquelas pessoas e situações.
É normal ter que retornar a partes do processo que pareciam ter sido concluídas. E às vezes ser invadida por um sentimento de que não saiu do lugar. Pode ser bem angustiante e por isso que é é tão importante ter um profissional de saúde mental ao seu lado.
Nesse processo, é importante entender as circunstâncias no qual seu trauma ocorreu e seus sentimentos na época em torno disso. Entender a influência que aquilo teve na sua vida ao longo dos anos e hoje, entender o que foi, o que é, o que tende a ser, e o que você quer que seja.
Algumas reflexões podem te nortear para ter mais clareza sobre como é o seu lugar hoje diante do seu trauma, para que você se situe em relação ao que aconteceu:
Que evento ou sequência de eventos levaram às dificuldades que você tem hoje?
Como você lidou com o ocorrido na época?
Como você se sente hoje em relação ao que te aconteceu?
Como você lida quando se depara com situações parecidas hoje?
Como você se sente em relação às consequências que você está vivenciando?
Se você pudesse escolher, como você gostaria de lidar?
A partir disso, é essencial desenvolver ferramentas de relaxamento e enfrentamento — técnicas que, assim como todo esse processo, não são receita de bolo e que funcionam em maior ou menor grau para diferentes pessoas lidando com diferentes experiências. São meios para preparar seu corpo e mente para formar novos meios de lidar com os problemas, ao invés de repetir os mesmos que trazem tanto sofrimento— lembrando que dificilmente se desfaz anos de trauma em poucas semanas, viu? Mas que precisamos começar de algum lugar.
Ei, o tratamento pode ser demorado, levando meses e até mesmo anos. Mas ele começa com dois fatores muito importantes: o reconhecimento de que existe um problema e o desejo de provocar mudanças. O quanto antes você começar, melhor!
Busque:
Profissionais qualificados de saúde mental;
Refletir sobre o ocorrido e como ele te influencia hoje;
Ter lugares seguros para sentir e respirar;
Técnicas de meditação e relaxamento;
Apoio de alguém de confiança;
Exercitar sua resiliência;
Enfrentar, aos poucos, as situações que te desafiam;
Entender que o luto, a frustração, o sentimento de injustiça, também podem fazer parte desse processo.
4. Mas ainda não acabou.... Será que você precisa de medicamento?
Essa é uma dúvida e um medo muito frequente dos pacientes no consultório. E posso te falar: psicólogos podem sim encaminhar para avaliação psiquiátrica, mas apenas o psiquiatra, ao observar o histórico clínico e narrativa do paciente, avalia a necessidade de medicação e inicia o tratamento medicamentoso.
Sei que, para muita gente, a ideia de iniciar medicação parece impensável, pelos mais diversos motivos. E tenho isso a te dizer: até hoje não me deparei com clientes que se arrependeram de terem feito uma avaliação psiquiátrica. Todos que precisaram e engajaram no tratamento medicamentoso relataram melhora em relação aos sintomas.
Eu mesma, há anos atrás, quando precisei e iniciei tratamento psiquiátrico (mesmo com muito preconceito sobre o assunto), vi uma melhora muito grande no meu quadro clínico após engajar no tratamento.
Lembre-se: não dá para mudar a forma como você se sente sobre si e sobre o mundo se você não quer mudar como faz as coisas, se você não tenta coisas novas!
Dito isso, destaco que a função do medicamento é ser uma "muleta" enquanto você aprende a lidar com suas questões, é como se fosse "rodinhas de apoio" para sua bicicleta, nesse momento on qual ainda não dá para andar sem elas. É um meio (muito útil) para um fim.
Se você quer melhorar, não desconsidere um tratamento que é tão importante, viu?
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